Fino, mais esguio e discreto,
caminha sempre a passo certo,
sem saber como olhar para o lado,
só em si vive centrado.
Duda e a sua capa preta
vagueiam sempre a mesma valeta,
cabisbaixo, de olhar fixo no umbigo,
faz da vida um interminável castigo.
A única vez que ousou levantar o olhar,
aos olhos de Matilde foi pousar...
pobre rapariga, ainda hoje vive doente,
inexplicavelmente cega e quase demente.
Duda, que leva a vida consigo
sem afecto ou ombro amigo,
sente a alma ainda mais pesada
(fora de si nunca houve mais nada).
Um estranho sentimento em si vai crescendo,
a culpa mortifica e vai remoendo,
e num súbito gesto, ausente de ego,
decide ao peito encostar um prego.
De alma vazia e coração na mão
descobre em si uma nova condição:
a morte que todos esperavamos (e ele tinha como certa!)
apenas matou o Duda-pateta.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Coração na mão
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Homicida-Suicida
Magda - a contente - vive num rodopio,
acorda sem sono e toda ela é sorriso,
linda e serena leva a vida a dançar,
até o relógio 12 badaladas marcar.
Estranho fenómeno, então acontece,
e da felicidade Magda esquece,
diz-se Lena - a Só - e numa nuvem escura
é noite cerrada e só amargura.
O rosto fechado é já alma ausente,
Lena vagueia, não ama e não sente,
e enquanto a noite demora a passar
Magda não tem como escapar.
Encarcerada pelo outro lado do ego,
que segue na vida perdido e mais cego,
percebe porque anda sempre contente
(quando à noite se extingue, não vive e não sente)
Mas nesta madrugada, mais fria e escura,
o vazio de Lena parece que dura...
E já o dia começa a nascer,
Magda insiste em não aparecer.
Em silêncio, Lena acorda ensonada,
desconhece o dia - está assustada.
E sem saber como salvar o que matou,
esvai-se de tudo (o pulso cortou).
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Ego de morte
Chico chiclette tem um canivete
e enquanto masca, assim se diverte,
a rodar a lâmina pelos dedos da mão
observa quem passa com muita atenção.
De jeans rasgados, bem ao dobrar da esquina,
olhar matador (assim se adivinha),
ao seu alcance, a perfeita cabeleira
estimula a conquista p'la tarde inteira.
Ia o sol, já cansado, de tanta investida
caía pra noite - exausta e vencida -
no ruivo firmamento nada se ouvia,
já o ruivo semblante não se mexia.
Inerte e serena, escultura de areia,
Chico pensava fazê-la sereia,
e em golpes precisos as escamas moldava
e em golpes mortíferos já a torturava.
Ouviram-se os gritos, calaram-se as vozes,
Chico ainda hesita "ficas ou foges?"
mas o ego do artista, acabou por falar mais alto
(sabia ter chegado o momento...de dar o salto)
domingo, 23 de agosto de 2009
A Vingança
Manuel. Manel. Boémio à força toda, à noite não perdoa. Sempre de gabardine e flôr ao peito, acha que lhe fica bem não se dar ao respeito. As donzelas que por ele insistem em passar, caem-lhe nos braços e deixam-se bem enganar. São noites intensas, efémeras e interditas que cravam as marcas nas pobres malditas. Mas eis que chegou o dia em que a heroína se revoltou, e o galã Manel ao inferno chegou. Uma farta cabeleira ardia já na memória e a nova careca ficava para a história. A luxúria de outros tempos deixava agora a sua marca, pois cada mulher ofendida um pêlo seu lhe cravara. Nessa hora em que o destino ajuizou Manel levar, a maldição teve lugar: para que a intimidade de cada uma continuasse para sempre bem acesa, ajuizaram entre todas deixar-lhe os púbicos na cabeça.
Santinha Verónica
Não se encontra. Não se sabe se é menina. Foi Vera por um Verão, Verónica mais sozinha. Caem-lhe as folhas da estação e dança a chuva miudinha. Sopra-lhe o calor de um coração que lhe bate, contorcida. Quando a seiva já escorre em braçadas de ramos erguidos, a pouca folhagem que sobra esvazia-lhe os sentidos. E é num altar, com flores de cores em despique, que se exorcizam demónios acesos, em segredos aguerridos. Ninguém sabe o que rezam tão baixinho, mas dizem que a valentia da santa mata desígnios malditos.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Sexta, 13.
"Fogo, lá estás tu!" -
assim Fred replicava
e em amena cavaqueira
os ânimos amainava.
Sempre com o mesmo trejeito,
fiel à mesma expressão,
sabia que logo ali
acabava a discussão.
Naquela, sexta 13
cada palavra amaldiçoava
assim que uma explosão se ouvia
e o fogo a todos chamava.
"Fogo! Lá estão todos" -
grita alguém a passar.
Já as chamas consumiam
a alma dos que queriam voltar.
Croac!
Cocas não é um sapo,
mas veste-se a preceito
e não dispensa um croac!-papo.
Todos os dias sempre aos pulinhos
atrai todo o tipo de gente
e a quem o chama de louco,
sorri e não desmente.
"Croac! Croac!"-quacha sempre ao passar
e é sempre o que responde
quando lhe querem falar.
Mas quem o achava louco
estava longe de imaginar
que um ser mais louco do que ele
estava ainda por chegar...
Certo dia, assim que amanheceu
e o Croac!Croac! começou a ecoar,
em cada vidro de cada janela
o sangue de Cocas se viu derramar.
Um ser vil mais que vil,
mais cruel que a crueldade,
levou Cocas tão a peito
que no homem viu um sapo, de verdade!
"Morte a todas as criaturas viscosas e verdes!"-
gritava já com o pé a acelerar
e derrapando a toda a velocidade
com a roda o atropelou (mesmo para esborrachar).
De imediato, todo o sangue começou a jorrar
num esguicho, também ele viscoso,
que até a luz do sol parecia cegar.
Esse dia, todos guardam na memória
como o dia da sagrada sapiência,
pois hoje, mais do que nunca,
o caso virou ciência.
Na terra onde outrora
só um sapo parecia existir,
encontram-se agora aos molhos
da terra, a emergir!
Nesta terra já ninguem habita
e apenas homens de fato borracha,
estudam o mistério da praga maldita.
Dizem que o mal começou,
assim que Cocas foi enterrado aos bocados...
e que os milhares de croacs! que agora se vão ouvindo,
vingam todos os croacs!, pela crueldade, calados.