quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ego de morte

Chico chiclette tem um canivete
e enquanto masca, assim se diverte,
a rodar a lâmina pelos dedos da mão
observa quem passa com muita atenção.

De jeans rasgados, bem ao dobrar da esquina,
olhar matador (assim se adivinha),
ao seu alcance, a perfeita cabeleira
estimula a conquista p'la tarde inteira.

Ia o sol, já cansado, de tanta investida
caía pra noite - exausta e vencida -
no ruivo firmamento nada se ouvia,
já o ruivo semblante não se mexia.

Inerte e serena, escultura de areia,
Chico pensava fazê-la sereia,
e em golpes precisos as escamas moldava
e em golpes mortíferos já a torturava.

Ouviram-se os gritos, calaram-se as vozes,
Chico ainda hesita "ficas ou foges?"
mas o ego do artista, acabou por falar mais alto
(sabia ter chegado o momento...de dar o salto)

domingo, 23 de agosto de 2009

A Vingança

Manuel. Manel. Boémio à força toda, à noite não perdoa. Sempre de gabardine e flôr ao peito, acha que lhe fica bem não se dar ao respeito. As donzelas que por ele insistem em passar, caem-lhe nos braços e deixam-se bem enganar. São noites intensas, efémeras e interditas que cravam as marcas nas pobres malditas. Mas eis que chegou o dia em que a heroína se revoltou, e o galã Manel ao inferno chegou. Uma farta cabeleira ardia já na memória e a nova careca ficava para a história. A luxúria de outros tempos deixava agora a sua marca, pois cada mulher ofendida um pêlo seu lhe cravara. Nessa hora em que o destino ajuizou Manel levar, a maldição teve lugar: para que a intimidade de cada uma continuasse para sempre bem acesa, ajuizaram entre todas deixar-lhe os púbicos na cabeça.

Santinha Verónica

Não se encontra. Não se sabe se é menina. Foi Vera por um Verão, Verónica mais sozinha. Caem-lhe as folhas da estação e dança a chuva miudinha. Sopra-lhe o calor de um coração que lhe bate, contorcida. Quando a seiva já escorre em braçadas de ramos erguidos, a pouca folhagem que sobra esvazia-lhe os sentidos. E é num altar, com flores de cores em despique, que se exorcizam demónios acesos, em segredos aguerridos. Ninguém sabe o que rezam tão baixinho, mas dizem que a valentia da santa mata desígnios malditos.