Lucy veste sempre cor-de-rosa
quando os sonhos lhe invadem a prosa,
mas é quando o silêncio a leva a sonhar demais,
que a imprevisibilidade ganha contornos reais.
Um dia, sentiu os pés sem chão
num arremesso de sonhos em ebulição
e já lá no alto de asas bem abertas
achou-se cupido e começou a lançar setas.
Pobre Lucy, encantada com um desígnio quase divino
não sabia cravar no amor o seu maior desatino
e em cada alma que acertava
uma fenda no corpo esburacava.
O último levou com a seta no pescoço
pobre coitado que amava até ao osso,
vingativo, crente de ser já alma perdida
em alma voou até Lucy e deu-lhe igual despedida.
(As asas de Lucy ainda hoje voam
e o espectro crava bem fundo o desgosto,
também dizem que as setas nunca se encontram
e que até a morte e os anjos do mal juntos, assombram.)
terça-feira, 22 de abril de 2008
Cupido por um dia
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Má sorte de vida
Becas é já menino sofrido,
assim que nasceu com a vida num fio,
um ano depois já de braço ao peito,
não escapou a um tiro no pé direito.
Desde então, manquinho e torto da mão,
Tenta compensar com grande sermão,
Sem corpo que lhe valha, prega aos demais,
Que deseja esventrados por meros pardais.
Já o dia ia longo e a noite à espreita,
cresce a angústia assim que se deita,
de volta à rua, calado vagueava,
a pensar na mão que ainda ali estava.
Nesse mesmo instante, com uma mão ainda a jeito,
Lança a revolta de um corpo malfeito,
E do desgraçado que por ali passava
ainda ecoam os gritos que a morte calava.
Limiar do controlo
Foscas da fama não se livra,
rapaz certo, orgulho da família,
com seus pequenos olhinhos a brilhar
sabe que há forças que não pode controlar.
Carinha pálida, franzino até em trejeito,
quando vê gente, logo sente ardor no peito,
fecha-se em dois punhos e respira lentamente
até sentir o controlo fugir-lhe, de repente.
Os olhos brilhantes, ganham contornos baços,
As entranhas que ardem alteram-lhe o traço
e o apelo do sangue jorra o desejo
de apunhalar um a um, sem pena nem pejo.
Longas tranças
Rafita tem só ar de princesa
e por onde passa a cobiça é acesa,
longas tranças escuras molduram-lhe o rosto
e penduram alguém ao primeiro desgosto.
Ao brincar com as amigas é só diversão
saltam à corda e jogam peão,
mas quando alguém a tenta enganar
imagina as longas tranças a estrangular.
Certo dia, a meio caminho da escola
não se sabe bem porquê (nem o que lhe deu na tola)
subiu num ímpeto a macieira do Sr. Adão,
e deixou cair-se em tentação.
Alimentar o amor
Félix. o super fix
das mulheres nunca desiste,
dizem que nasceu apaixonado
assim que o pai foi afogado.
De cabelos revoltosos
nele vivem anjos e demónios,
e de coração aberto ao peito
tudo o que beija acaba desfeito.
Sem perdão nem piedade,
lança o feitiço com crueldade
e é no calor da tentação do momento
que o prazer da carne vira alimento.
Demónios redondos
Pancinha parece uma bola
Não sabe andar e rebola,
Rápida, ninguem a vê passar
e a todos quer atropelar.
Nunca ninguem lhe viu o rosto
Mutilado por tamanho desgosto,
Das entranhas da mãe só lamenta
Não ter ficado na forca da placenta.
Hoje, mais triste do que a chuva,
A morte assenta-lhe que nem uma luva
E depressiva, com a loucura à beira
rebola para a fogueira.
Salto de morte
Pequeno Dudu tem pinta de galã
veste preto e engraxa a bota
que um dia matou a mamã.
Nunca se esconde de tão orgulhoso que é,
todos lhe batem palmas
e ninguém lhe faz finca-pé.
Entediado, sem ninguem lhe fazer frente
Dudu pensativo descobre,
que só a morte não lhe mente.
Sobe à janela mais alta,
balouça de braços abertos...
e salta.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Fantasmas no cabelo
É uma menina
de seu nome Lili
tem espadas nos olhos
e só à morte sorri.
Ninguem anda com ela
em dias de vento
porque os cabelos ganham formas
e à vista é um tormento.
"São fantasmas!" - dizem todos
e cerram os olhos ao passar
mas não sabem que são as espadas dos olhos
que um a um, os vão matar.