sexta-feira, 30 de maio de 2008

Assombração do cabelo

Samanta é a rainha da assombração
ninguém lhe consegue ver o rosto
com pestanas que chegam até ao chão.

Toda ela vive envolta em cabelo
de um preto mais que preto
sedoso e tratado com zelo.

Sempre que Samanta começa a andar
ondas de cabelo vão a esvoaçar,
e só nestes instantes de movimento
a assombração tem o seu grande momento:

Um rosto pálido, quase transparente
passa e assusta toda a gente,
mas quando Samanta ouve a gritar
sabe chegada a altura de parar.

Por uns segundos não se movimenta
e todos os cabelos acabam com a tormenta,
volta a ser toda ela uma bola de pêlo
e a verdadeira assombração do cabelo.

Sempre tão preocupada com a reacção alheia
não imaginava colher o que semeia,
e assim que volta a andar
as longas pestanas acaba por pisar.

O grito que deu ouviu-se por todo o lado
já com o olho direito pendurado,
e no desespero do momento
arranca-o bruscamente num só movimento.

Nunca ninguem percebeu o que ali se passou
pois para lá do cabelo nunca ninguem chegou,
apenas Samanta guardará a recordação
daquela que foi a sua assombração.

Está de olho!

Belinha tem os olhos trocados
sabe bem andar em frente
enquanto olha para todos os lados.

Ninguém consegue conversar com ela
porque ao chegar mais perto
leva no olho uma mordidela.

O último que no seu caminho cruzou
à mordidela não escapou,
hoje anda sempre acompanhado
com o rosto duplamente esburacado.

Para Belinha não há sina mais triste
pois ao impulso de morder
quer travão, mas não resiste.

Cansada de afastar toda a gente
tomou a decisão da sua vida:
"vou-me tratar no Sr. Doutor
e voltar a ser bem recebida".

Meses depois, tudo nela mudou,
e até dos olhos trocados tratou.
Estava bela a Belinha, e na redondeza
todos comentavam a sua beleza.

Até certo dia, no começo da refeição
Belinha abrir a lancheira que trazia na mão,
todos os amigos que conversavam animados
levantaram-se um a um (de olhos tapados!)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Verdade Negra

Arménio nunca se queixa
podem bater-lhe com toda a força
que ele sempre deixa.

De tão espancado que é
fez do corpo hematoma,
e vestido de nódoas negras
na vida segue e soma.

Escurinho dos pés à cabeça
apenas os olhinhos brancos despontam,
e surpreendem a própria sombra
de todos que por ali se encontram.

Hoje calhou olhar-se ao espelho
para sua grande fatalidade,
enquanto imóvel e de olhos fixos
no reflexo confronta a verdade.

Gritos reflectiam-se de forma estridente
e o próprio espelho baloiçava,
toda a imagem contorcia-se
enquanto o espelho estilhaçava.

Mil pedaços de espelho explodiram
lâminas pontiagudas e cortantes,
libertavam-se da dor reflectida
e libertavam-no de dores fulminantes.

Uma mão cheia de lâminas
que pairavam em suspenso no ar,
apontaram a jugular de Arménio
com ele a vê-las chegar.

De olhos esbugalhados
finalmente de dor gritou,
assim que as lâminas rasgaram
a dor que nunca deixou.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Silêncio de morte

Tantos pares de olhos
para três dedos de testa
Quintas era o tótó da escola
que até o Nerd detesta.

Sempre de olho esperto
e de língua bem afiada
abria as goelas ao mundo
convencido que tinha piada.

Um dia, de olhar vago e mais distraído,
não viu passar-lhe à frente o seu homicídio.
De tão habituado que estava a "noticiar"
espalhou flyers pela escola: "a morte vem-me buscar!"

O desalento abateu-se de imediato
(pois depressa constatou)
ninguém lhe dava crédito
e a notícia não vingou.

Por três dias não dormiu
e o quarto foi de indignação
ao quinto dia já vagueava
pelo desprezo da multidão.

Com o mundo a desmoronar
naqueles rostos indiferentes e cruéis,
por cada dia de silêncio que passava,
a todos atribuia papéis:

"Assassinos!"- gritava alto por dentro,
com a voz já sugada
e a língua, músculo inerte,
por cada conversa castrada.

Os dias iam passando,
e por cada dia que ainda estava para vir
também os olhos murchavam
como quem pensa em partir.

A alegria voltou para sua grande felicidade
atracada à barca da morte
numa travessia que deixava saudade:

"Em memória do Quintas" - lia-se por todo o lado
e aquele que ninguem ouvia
deixava agora o recado.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Cupido por um dia

Lucy veste sempre cor-de-rosa
quando os sonhos lhe invadem a prosa,
mas é quando o silêncio a leva a sonhar demais,
que a imprevisibilidade ganha contornos reais.

Um dia, sentiu os pés sem chão
num arremesso de sonhos em ebulição
e já lá no alto de asas bem abertas
achou-se cupido e começou a lançar setas.

Pobre Lucy, encantada com um desígnio quase divino
não sabia cravar no amor o seu maior desatino
e em cada alma que acertava
uma fenda no corpo esburacava.

O último levou com a seta no pescoço
pobre coitado que amava até ao osso,
vingativo, crente de ser já alma perdida
em alma voou até Lucy e deu-lhe igual despedida.

(As asas de Lucy ainda hoje voam
e o espectro crava bem fundo o desgosto,
também dizem que as setas nunca se encontram
e que até a morte e os anjos do mal juntos, assombram.)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Má sorte de vida

Becas é já menino sofrido,
assim que nasceu com a vida num fio,
um ano depois já de braço ao peito,
não escapou a um tiro no pé direito.

Desde então, manquinho e torto da mão,
Tenta compensar com grande sermão,
Sem corpo que lhe valha, prega aos demais,
Que deseja esventrados por meros pardais.

Já o dia ia longo e a noite à espreita,
cresce a angústia assim que se deita,
de volta à rua, calado vagueava,
a pensar na mão que ainda ali estava.

Nesse mesmo instante, com uma mão ainda a jeito,
Lança a revolta de um corpo malfeito,
E do desgraçado que por ali passava
ainda ecoam os gritos que a morte calava.

Limiar do controlo

Foscas da fama não se livra,
rapaz certo, orgulho da família,
com seus pequenos olhinhos a brilhar
sabe que há forças que não pode controlar.

Carinha pálida, franzino até em trejeito,
quando vê gente, logo sente ardor no peito,
fecha-se em dois punhos e respira lentamente
até sentir o controlo fugir-lhe, de repente.

Os olhos brilhantes, ganham contornos baços,
As entranhas que ardem alteram-lhe o traço
e o apelo do sangue jorra o desejo
de apunhalar um a um, sem pena nem pejo.

Longas tranças

Rafita tem só ar de princesa
e por onde passa a cobiça é acesa,
longas tranças escuras molduram-lhe o rosto
e penduram alguém ao primeiro desgosto.


Ao brincar com as amigas é só diversão
saltam à corda e jogam peão,
mas quando alguém a tenta enganar
imagina as longas tranças a estrangular.

Certo dia, a meio caminho da escola
não se sabe bem porquê (nem o que lhe deu na tola)
subiu num ímpeto a macieira do Sr. Adão,
e deixou cair-se em tentação.

Alimentar o amor

Félix. o super fix
das mulheres nunca desiste,
dizem que nasceu apaixonado
assim que o pai foi afogado.

De cabelos revoltosos
nele vivem anjos e demónios,
e de coração aberto ao peito
tudo o que beija acaba desfeito.

Sem perdão nem piedade,
lança o feitiço com crueldade
e é no calor da tentação do momento
que o prazer da carne vira alimento.

Demónios redondos

Pancinha parece uma bola
Não sabe andar e rebola,
Rápida, ninguem a vê passar
e a todos quer atropelar.

Nunca ninguem lhe viu o rosto
Mutilado por tamanho desgosto,
Das entranhas da mãe só lamenta
Não ter ficado na forca da placenta.

Hoje, mais triste do que a chuva,
A morte assenta-lhe que nem uma luva
E depressiva, com a loucura à beira
rebola para a fogueira.

Salto de morte

Pequeno Dudu tem pinta de galã
veste preto e engraxa a bota
que um dia matou a mamã.

Nunca se esconde de tão orgulhoso que é,
todos lhe batem palmas
e ninguém lhe faz finca-pé.

Entediado, sem ninguem lhe fazer frente
Dudu pensativo descobre,
que só a morte não lhe mente.

Sobe à janela mais alta,
balouça de braços abertos...
e salta.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Fantasmas no cabelo

É uma menina
de seu nome Lili
tem espadas nos olhos
e só à morte sorri.

Ninguem anda com ela
em dias de vento
porque os cabelos ganham formas
e à vista é um tormento.

"São fantasmas!" - dizem todos
e cerram os olhos ao passar
mas não sabem que são as espadas dos olhos
que um a um, os vão matar.